Sobre Hermenegildo, duas palavras
Foi na rua da Cruz de Pedra, em Creixomil, que o então menino Hermenegildo sentiu pela primeira vez o apego às coisas da Fé, muito por conta dos conselhos dos pais e da vivência em comunidade. Naquele sítio, em terras onde Portugal nasceu e a ele o viu crescer em estatura, sabedoria e graça, moram as primeiras raízes e memórias. Mas lá habita igualmente o germinar de um desejo profundo, o da necessidade de uma resposta radical na procura de Deus.
Em meados da década de oitenta do século passado, no ocaso da adolescência, encontrou o risco que tanto o interpelava num breve experienciar da vida monástica, cujo eco perdurou no tempo em que cursou astrofísica na Universidade do Porto – área pela qual se decidiu por causa do interesse que lhe suscitava os confins do Universo. A ciência, nessa altura, ainda ocupava o mais alto dos lugares, mas o caminho, esse, derivava já para um outro tipo de resposta, a que dentro do coração pressentia. Foi um período escolar valioso em que se tornou a cruzar com a aprendizagem da música, a qual, a par das lições sobre os corpos celestes, muito para ele significou. Mas a inquietação pela vida monástica crescia e, na mesma dimensão, o dever de lhe responder, desassossego que acabou por o levar a França para testar se o radical eco, que o perseguia, disso não passava. Depois de cumprido o serviço militar como oficial de Infantaria – primeiro em Mafra e depois no Porto –, o basco Mosteiro de Belloc foi o resultado final da voluntária prova, e com isso para trás ficou a Faculdade de Ciências, definitivamente.
Sob a regra de S. Bento, fez Hermenegildo um longo percurso no fraterno silêncio de Belloc, anos que aproveitou para obter formação académica em teologia e línguas (francês, latim e grego), aprendizado esse depois secundado e concluído durante três anos em Paris, para onde foi enviado, no ramo da Sagrada Escritura, dos estudos musicais e das línguas antigas e bíblicas (hebraico e aramaico), tendo sido na capital francesa que voltou a estabelecer relações com Portugal. A ligação surgiu através da ajuda que prestava à comunidade lusa parisiense em matéria de música litúrgica, entre outras assistências, no quadro do trabalho que desenvolvia no Santuário de Nossa Senhora de Fátima da cidade. Situação que, tempo mais tarde, não deixou de pesar na decisão de retornar a Portugal ao invés de se quedar em terras de França, quando com as duas possibilidades se viu confrontado.
De volta a Portugal, integrou a Arquidiocese de Braga e foi ordenado sacerdote no ano da graça de 2003, no calor de julho. Logo ali ficou a saber que a centenária Paróquia de S. Jerónimo de Real, em Braga, lhe estava destinada. Hoje, além de Pároco de Real, e nos últimos anos de Dume também, Hermenegildo é Cónego do Cabido da Sé de Braga – com a Dignidade de Chantre, ou seja, é o responsável pela música da Sé Catedral –, Vigário Episcopal para a Celebração da Fé e ainda Vigário Episcopal para a Vida Consagrada, cargos que acumula com a docência na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, entre outros importantes afazeres paroquianos e arquidiocesanos, como é o caso na Escola de Música Litúrgica S. Frutuoso, da qual foi fundador e é responsável. Tudo isto, aos 57 anos de idade, muito por mérito da sua valorosa formação e singular percurso.
Como que o caçador e a presa, como metaforicamente gosta de imaginar, acredita Hermenegildo Faria que a Fé é necessária procura, é aposta, mas é também a certeza interior de que aquilo que se faz, faz sentido.
E quiçá por isso, disse em conversa aos Amigos do Convento, tenha aceitado, num ato de plena liberdade, não resistir mais a Deus. Coragem, afirmou com os olhos a brilhar, não foi precisa.