Artes, artistas
e devoções
Beneditinos e Franciscanos
Artes, artistas
e devoções
Beneditinos e Franciscanos
PAULO OLIVEIRA
Licenciado em História pela FLUP e Mestre em História Contemporânea pela Universidade Católica.
Coordenador dos Mosteiros de Tibães, Pombeiro, Rendufe e Vilar de Frades
Desde a génese do monaquismo que os mosteiros, entendidos como microcidades, são pensados como a Cidade de Deus. Uma cidade ideal dotada de todos os elementos necessários à subsistência como nos refere a Regra de São Bento: “Se possível for, deve o mosteiro ser construído de forma a ter de portas a dentro tudo o necessário, a saber: água, moinho, horta, oficinas onde se exerçam os diversos ofícios, para que os monges não tenham necessidade de andar lá por fora…”[1].
Para os beneditinos, o mosteiro era o local de habitação de monges cenobitas, aqueles que vivem e militam debaixo duma Regra e dum Abade, que tinham no Ofício Divino a sua principal atividade para o qual, segundo S. Bento, Deus os elegeu e os tirou do mundo. Vidas solitárias, num universo de fé e oração, eram vividas em clausura e em ascese contínua, centrada na humildade e obediência, os esteios da espiritualidade monástica.
O movimento liderado por São Francisco a partir do séc. XIII, integrado nas Ordens Mendicantes, pretende uma reforma que conduza ao retorno à vida apostólica, vivendo por opção uma vida de pobreza mais próxima das comunidades, em austeridade e despojamento. Como os apóstolos de Jesus, os franciscanos nada deveriam possuir. Moravam em comunidade, renunciando à propriedade, vivendo de esmolas e do trabalho, através dos serviços prestados às populações.
Os mosteiros estavam assentes no mundo rural, enquanto os mendicantes se iam fixando nas áreas urbanas.
Composto por um amplo edifício e uma cerca murada, o Mosteiro de São Martinho de Tibães foi construído e decorado ao longo dos tempos. Com uma arquitetura funcional apresentava uma clara separação entre as áreas de oração, de trabalho, de lazer ou de comunicação com o exterior e ainda entre as zonas ocupadas pela comunidade residente e outras reservadas para o uso como casa-mãe da Congregação de São Bento.
Com as determinações do Concílio de Trento (1545-1563), as diferenças monacos e fratres vão-se desvanecendo. As normas deste Concílio vão promovendo uma progressiva aproximação dos cânones construtivos dos espaços conventuais e da própria essência da vida religiosa.
A organização espacial dos edifícios religiosos organiza-se de forma similar, com o claustro ou pátio encostado a um dos lados da igreja. A portaria próxima também do templo e as celas colocadas ao longo de um corredor. No entanto, poderemos aqui assinalar uma diferença clara: a dimensão dos espaços. Em São Francisco encontramos um pequeno e singelo pátio, enquanto em Tibães observamos um imponente claustro. A diferença na altura dos espaços conventuais é também evidente, a favor da casa-mãe dos beneditinos portugueses.
Conexões de Tibães a São Francisco
O trabalho de Dom Rodrigo de Moura Teles enquanto arcebispo de Braga (1704-1728) representa um claro exemplo daquilo que a contrarreforma propunha e que influenciou toda a arquidiocese. As igrejas seguem um modelo de grande austeridade arquitetónica, com planta em cruz latina, de uma só nave, que podemos atestar no templo de São Francisco construído a partir de 1728. Os seus interiores eram preenchidos com vidas de santos e de mártires, exaltando a fé através do exemplo das vidas propiciadoras da santidade e da salvação dos crentes. Austeras por fora e deslumbrantes no interior.
As Ordens Religiosas e as paróquias foram contaminadas por este fervor construtivo e reformador do arcebispo. Por toda a região se constroem novos templos e se disseminam retábulos, sanefas, azulejos, esculturas, pinturas, púlpitos e cortinados, através de um novo gosto que se impôs por todo mundo católico: o Barroco.
Entre 1733, o abade de Tibães decide fazer um novo retábulo para o capítulo conventual. Para isso, contratualizou com o entalhador Gabriel Rodrigues Álvares, a sua execução em talha miúda. Este retábulo custou ao mosteiro 35 moedas de ouro (168$000 réis). Mais tarde, entre 1740/43 são aqui colocadas as imagens de São Francisco e de Santo António. A colocação destas imagens no capítulo conventual demonstra, do lado beneditino, um grande afeto e devoção por estes santos franciscanos. Como diz Eva Trindade Dias, esta convivência entre santos beneditinos e franciscanos, num diálogo invocativo, deixa transparecer a reverência dos monges negros por alguns exemplos da espiritualidade franciscana e a preocupação em inspirar monges e fiéis no caminho da perfeição.
No interior da igreja do Mosteiro de Tibães podemos ainda hoje apreciar duas belas esculturas representando Santo António e São Francisco nos retábulos de Nossa Senhora do Rosário e no de Santa Gertrudes. Estas invocações franciscanas foram-se disseminando por todos os templos beneditinos, através da presença de múltiplas esculturas nas igrejas monásticas.
António Fernandes Palmeira, escultor, contratou em 1737 o retábulo da capela-mor de São Francisco, o qual, acabado em 1739, é o melhor exemplo da zona de Braga do retábulo típico da corte joanina.
Logo de seguida, António Fernandes Palmeira executa no mesmo estilo joanino a capela do Descendimento ou do Santíssimo Sacramento da igreja de Tibães, entre 1739 e 1740, pelo preço de 480 000 réis.
Para a igreja de São Francisco, na segunda metade do séc. XVIII, o artista beneditino Frei José de Santo António Vilaça terá realizado vários trabalhos: um retábulo na nave, datado de 1770, com um coroamento em “pregueado”, contrastando com umas ilhargas repletas de pequenos nichos, ladeando um trono vazado, onde se colocaram as imagem de Cristo crucificado e Nossa Senhora das Dores ao pé da cruz. Terá desenhado ainda para a igreja de São Francisco dois belíssimos púlpitos, o órgão, o varandim e a bacia do mesmo (muito semelhante, aliás, ao trabalho que desenvolveu no Mosteiro de Tibães). Serão ainda de sua autoria as sanefas e o guarda-vento da igreja, e o oratório do coro. Todos estes trabalhos foram realizados entre 1780 e 1790 e representam a fase de transição para os desenhos de cariz neoclássico, que monge artista irá apresentar no final do seu percurso artístico.
Assim, a proximidade geográfica entre o Mosteiro de Tibães e a igreja do Convento de São Francisco, para além da devoção na busca da perfeição e da santidade, inspirou monges e frades na prossecução do ideário tridentino de propagação da Fé.
[1] Regra do Patriarca S. Bento, Capítulo LXVI, traduzido e anotado do latim pelos Monges de Singeverga. Edições “Ora & Labora”, Mosteiro de Singeverga, 1992, p. 132.