O Convento
de S.Francisco
O Convento
de S.Francisco
RUI FERREIRA
Doutor em Estudos Culturais pela Universidade do Minho. Bracarólogo
A 4 de outubro, os cristãos celebram S. Francisco de Assis (1182-1226), fundador da ordem franciscana e um dos maiores santos da história da Igreja. Apesar do sucesso apostólico verificado no seu primeiro século de existência, os franciscanos haveriam de chegar tarde à cidade de Braga. O facto de ser um senhorio eclesiástico, confiado aos seus sucessivos arcebispos, foi atrasando a presença desta ordem religiosa no território bracarense.
Seria precisamente através da iniciativa de um dos seus arcebispos mais eminentes, D. Diogo de Sousa, que os franciscanos se instalariam em Braga, mais propriamente na freguesia de S. Jerónimo de Real, no mesmo lugar onde S. Frutuoso, no século VII, havia instalado um mosteiro devotado a S. Salvador, no qual ainda subsistia um ancestral templo, o mesmo que lhe serviria de sepultura.
O ancestral cenóbio de S. Salvador de Montélios seria confiado à Sé de Compostela durante o período da dominação árabe da Península Ibérica, doação confirmada documentalmente por Afonso III das Astúrias a 17 de agosto de 883, apenas revertendo para a Igreja de Braga durante a prelazia de D. Paio Mendes (1118-1136). Desconhecemos em que estado se encontrava o edifício alto-medieval quando o arcebispo D. Diogo de Sousa deliberou reabilitar o mosteiro no ano de 1523, mas sabemos que o seu templo se encontrava num significativo estado de conservação, facto atestado por um documento de João de Barros em que é descrita esta capela. O mesmo documento serviria de base a Frei Manuel de Monforte que, numa crónica à província desta ordem religiosa, descreve com pormenor o interior do monumento, em finais do século XVII.
O convento franciscano seria confiado pelo arcebispo D. Diogo de Sousa à Ordem dos Capuchos da Piedade. Os mais significativos vestígios desse período são a fonte de Santo António e o cruzeiro, que se encontram no adro fronteiro ao templo.
A atual versão do templo e convento de S. Francisco recuam ao século XVIII, mais propriamente ao ano de 1728, momento em que o arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles promoveria a sua reedificação. Segundo José Augusto Ferreira, “a igreja primitiva era pequena e acanhada para o serviço religioso da comunidade”, deduzindo-se que ainda estivesse a uso o templete do primitivo mosteiro fundado por S. Frutuoso. A primeira pedra seria lançada pelo arcebispo no dia 18 de junho de 1728, que se destacou igualmente como o seu principal financiador (Ferreira, 1932). No decorrer deste processo, seria construído o templo atual, reconfigurando-se a área conventual.
Concebido sob os cânones da arte barroca, o templo conventual revela uma singular imponência, apresentando um retábulo-mor em estilo joanino, entalhado em 1737 por António Francisco (Oliveira, 1999), que ostenta as devoções matriciais desta comunidade franciscana: S. Francisco de Assis, S. Frutuoso e Nossa Senhora da Conceição. Três décadas depois, receberia presumivelmente três obras do monge tibanense Frei José de Santo António Vilaça (Smith, 1972), nomeadamente o altar de Nossa Senhora das Dores, no qual são evocados os sete passos da Paixão, os púlpitos e o guarda-vento. No ano de 1782, o organeiro José António de Sousa executaria o seu órgão, cuja caixa também tem sido atribuída a Frei José Vilaça.
Um dos grandes destaques do interior do templo é o cadeiral renascentista que se encontrava no coro-alto da Sé Primaz. Na década de 1730, o Cabido mandou reformular aquele espaço da Catedral, substituindo o cadeiral quinhentista por uma versão atualizada. Nesse momento, o velho cadeiral seria oferecido ao Convento de S. Francisco, sendo enquadrado no coro-alto do reformulado templo conventual. Neste cadeiral, além das ornamentações ao gosto renascença, encontra-se um conjunto de telas que evocam alguns dos mais ilustres arcebispos de Braga.
Após a extinção das ordens religiosas, decretada em 1834, a sede da paróquia de S. Jerónimo de Real passaria para o antigo templo conventual, antecipando o desaparecimento da primitiva paroquial, localizada a escassas dezenas de metros a sudoeste do Convento de S. Francisco, que seria, entretanto, desmantelada.
No decorrer do processo de restauro da Capela de S. Frutuoso seriam produzidas algumas alterações no edificado conventual, com o objetivo de desafogar o monumento. Uma das alterações implicou a deslocação do campanário do templo conventual, que se encontrava junto à sua fachada principal, para a lateral esquerda do edifício, ocorrida no ano de 1944.
Após várias décadas em progressiva degradação, e após a discussão de diversas soluções para a sua reabilitação, o antigo Convento de S. Francisco seria cedido pela Câmara Municipal de Braga à Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, para aí instalar a sua sede, além de um centro de documentação e um serviço educativo integrado daquele complexo monumental.
A capela de S. Frutuoso
A Capela de S. Frutuoso, contígua ao Convento de S. Francisco é um dos monumentos mais enigmáticos do património bracarense. Supõe-se seja o primitivo mausoléu de S. Frutuoso, bispo de Braga entre os anos 656 e 665, exibindo um conjunto significativo de elementos atribuíveis ao período visigótico, apesar de todas as mutilações a que seria sujeita. Em meados do século XVII, seria bastante afetada pelas obras de remodelação do convento, perdendo “os arquitectónicos baldaquinos que exibia no interior das suas absides” (Almeida, 2001). No ano de 1728, na sequência das obras de reedificação do convento, seria severamente mutilada e sufocada pelo edifício renovado, do qual apenas se libertaria no ano de 1897, quando foi descoberta por Ernesto Korrodi. A importância da descoberta alertou para a necessidade de um restauro, só conseguido entre os anos de 1931 e 1938, sob coordenação de João de Moura Coutinho, processo abruptamente interrompido devido às discussões sobre a sua origem. Classificada como Monumento Nacional em 1944, aguarda, há quase um século, a conclusão do seu processo de reconstrução.